Certas passagens bíblicas insinuam, de modo muito sutil, que a prática da comunhão cristã não é fácil, nem fluida, e exige empenho, boa-vontade, resignação e paciência.
Quando lemos, por exemplo: “Façam todo esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Efésios 4.3) — logo percebemos que a advertência feita pelo apóstolo em favor de esforços para a preservação da unidade do corpo de Cristo é, no mínimo, um chamado à tolerância, ao sacrifício e à renúncia, sem os quais não há como manter ou fortalecer os laços de comunhão e fraternidade.
Outro exemplo: “Suportem-se uns aos outros” (Colossenses 3.13) e “suportando uns aos outros em amor” (Efésios 4.2) são expressões que equivalem a algo parecido com “calma, conte até dez”, que costumamos usar em português.
Embora muitos insistam em traduzir o termo suportar como dar suporte, sustentar ou amparar, o verbo grego (anecomai) é usado em outros textos, como Mateus 17.17, 1 Coríntios 4.12, 2 Coríntios 11.1, no sentido de aguentar e tolerar. Também aqui flagramos uma forte conotação de sacrifício e empenho para conviver com pessoas que, no mais das vezes e por razões diversas, são consideradas insuportáveis ou intoleráveis.
Gente chata, pessimista, lamurienta, hipocondríaca, implacavelmente crítica, tediosa, prolixa e maledicente pode provocar o afastamento dos outros, mas a orientação do apóstolo para suportarmos tais pessoas em amor justifica-se pelo fato de que motivações desconhecidas por trás de determinadas posturas e ações. Ou seja: ninguém é chato porque quer, e sim devido a condições específicas que, na história da sua formação, resultaram numa certa maneira de ser.
O rapaz negativista pode estar, simplesmente, se defendendo do medo de se frustrar. A moça com auto-imagem enfraquecida pode ter sido humilhada pelos pais durante toda a infância. A senhora hipocondríaca quer apenas chamar a atenção dos familiares para compensar carências afetivas. E assim por diante.
Para encerrar, basta recordarmos o significado da palavra amor no Novo Testamento. Nada tem a ver com afeto, simpatia, paixão ou romance. O amor cristão não depende das emoções ou dos sentimentos, pois é uma forte disposição mental para ajudar aquele que precisa — ainda que seja um desafeto, um perseguidor ou um inimigo.
Por isso mesmo somos capazes, conforme o ensino de Cristo, de orar por nossos opressores ou dar socorro aos que só querem nos prejudicar. Porque não se refere à afeição, mas ao desejo de pagar o mal com o bem em vez de buscar vingança.
Voltamos a Bonhoeffer: a autêntica comunhão cristã não se constrói sobre idealizações imaturas, expectativas ingênuas, padronizações de comportamento, sentimentos românticos e emoções fugazes.
Para fortalecer os laços de fraternidade entre irmãos em Cristo é necessário ter os pés bem fincados no chão. Aprender a conviver com as pessoas como são. Respeitar as diferenças. Dialogar com ideias opostas. Compreender prováveis motivações ocultas. Tolerar temperamentos difíceis. Acolher o semelhante com suas dessemelhanças. E aceitar o próximo com suas distâncias.
Só a essa atitude, promovida pela fé e cultivada pelo Espírito, podemos chamar de amor.
Pr. Carlos Novaes
http://carlosnovaes.blogspot.com/
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